“Let the sunshine in”

O site da Cásper fez um especial sobre os 40 anos do musical Hair, símbolo hippie. Tá bem bacana. Há uma entrevista com Renata Pallottini, responsável pela versão brasileira do texto, resenhas e até traduções de algumas músicas.

O que conta Renata, sobre a montagem da peça que estreou no Brasil em 1969:
“Trabalhamos na preparação durante o ano inteiro. Os ensaios iniciais aconteceram no prédio da Gazeta, que não estava totalmente utilizado e tinha muito espaço vazio. Ficávamos em uma sala do segundo andar, que era muito fria e piorava durante o inverno, quando aconteceu a maior parte dos ensaios. Mesmo assim, a maior dificuldade – além do fato de ser uma peça de protesto, que pregava a indisciplina, a rebelião, o pacifismo – era a famosa cena do nu, em que no final do segundo ato vinte atores traziam uma bandeira branca ao centro do palco e, quando saiam debaixo dela, cantando Deixe o Sol Entrar, estavam completamente nus: Sônia Braga, Altair Lima, Armando Bogus, Rosa Maria, Ariclê Perez, entre vários outros.

Primeiro a censura examinou o texto em Brasília e, como toda a ação se passava nos Estados Unidos, não implicou com a peça. Depois do texto liberado, três censores acompanharam o ensaio geral e também a estréia, porque eles sabiam muito bem que podíamos fazer um texto bonzinho virar, na hora do espetáculo, uma autêntica revolução.

E de fato quando eles viram a cena do nu total disseram que não iria passar. O Altair Lima conversou com eles e fez um acordo: na hora do nu total a luz estaria bem na penumbra, quase não daria para ver os atores, só os vultos, as silhuetas. A cena era mais chocante por causa dos rapazes, porque nesse caso a novidade era maior – diferentemente do que acontecia com as mulheres, que desde os tempos do teatro de revista já ficavam com pouca roupa. No caso dos homens era espantoso.

O truque foi que, no decurso das apresentações, cada dia o Altair subia um pouquinho a luz, mas quando sabia que tinha censor na platéia, deixava tudo escuro. Quando não havia censor, aumentava de novo até o ponto que chegou à luz total. Essa cena era o momento de maior entusiasmo, todos ficavam loucos, o público queria subir no palco”.

Mais sobre a peça:

Quando o título provoca, é porque vale a pena olhar: Hair – The American Tribal Love-Rock Musical, peça escrita por Gerome Ragni e James Rado, é provavelmente a única obra de dramaturgia que consegue unir momentos tão lisérgicos quanto os vivenciados pela tribo de hippies Claude, Berger, Woof, Jeannie, Hud, Sheila e seus outros amigos. Músicas que posteriormente tornaram-se clássicas, como Manchester England, Let the Sunshine In e Aquarius, seqüências alucinadas e provocativas de referências à cultura hippie dos anos 1960 – “Vietnam, Johnson, High Scool, Sex, Cigarettes, LSD, Subways, Napalm, Pop Art, Pop Off” – e momentos que unem uma diversão irrestrita com libelos pacifistas e propostas para um mundo flower power fazem com que Hair permaneça até hoje como um ponto de referência e protesto contra um mundo careta e padronizado.

A peça é estruturada em pequenos fragmentos, sem uma linearidade aparente, no melhor estilo da livre consciência e da anarquia dos costumes tradicionais – desprezando, assim, uma construção mais conservadora das frases, ao adotar uma postura despretensiosa tanto nas músicas quanto nos diálogos (um dos muitos exemplos é uma conversa entre Berger e Claude: B: “Do you think homosexuality is here do stay, love?” C: “Yes, dear, until something better comes along”).

Entretanto, nenhum dos fragmentos da peça fica sem sentido dentro do conjunto (e principalmente do ideal) imaginado pelos autores, assim como nenhuma das músicas existe pelo simples motivo de chocar – Sodomy, por exemplo, configura-se não apenas como uma provocação, e sim como uma subversão da linguagem; quando a música aparece, Woof estava jurando após ingerir uma hóstia imaginária – “I swear to tell you the truth, the whole truth, and nothing but the truth so help me God, in the name of the Father”. Se na linguagem dita “oficial” não se pode unir em um mesmo momento elementos tão diferentes como sexo e oração – já que são categorias separadas por tabus sociais e morais –, Hair mostra uma subversão lingüística ao criar esse discurso naturalmente paradoxal que permite essas brincadeiras. Todo o discurso de Hair é baseado nessa lógica do inconformismo e do lúdico, seguindo uma única regra: não ter regras nem pressupostos que possam prejudicar a livre expressão das idéias.

Nesse sentido de funcionar como discurso, Hair assim se anuncia desde o início: “The Kids are a tribe. At the same time, for the purpose of Hair, they know they are on a stage in a theater, performing for an audience, demonstrating their way of life, in order to persuade those who watch of their intentions”. Mais do que apenas uma seqüência de cenas que mostram como era vida de uma geração inspirada por uma visão mais inovadora do mundo, a intenção da peça é expandir esse ideal para outras pessoas, conquistar adeptos para uma visão libertária da sociedade – peace-full, love-full world.

As inúmeras referências à cultura pop e ao cenário cultural dos anos 1960 são tão presentes que os fãs do musical não se cansam de procurá-las e tentar adivinhar seus significados – “One for Billy Graham, one for Prince Philip, and one for Joe Louis. One for Cardinal Spellman, one for Rabbi Schultz…”/ “Batmans, Castros, Hollywood, Burton-Taylor”; quando a Tribo canta Happy birthday, Abie baby, referindo-se à Abraham Lincoln; e as citações a Timothy Leary (professor de psicologia que experimentava alucinógenos com seus alunos e mais tarde tornou-se o guru do LSD) e LBJ – mais conhecido como Lyndon Baines Johnson, presidente que havia levado os EUA a um envolvimento mais pesado na Guerra do Vietnã. Gerome Ragni e James Rado também citam o intelectual Marshall McLuhan e suas teorias sobre a aldeia global, considerando que o movimento hippie é a personificação desse ideal universalizante, no qual todos estão unidos em busca de um único propósito: a procura por uma nova visão de mundo, que seja capaz de encontrar alternativas para uma sociedade controlada e padronizada. A famosa cena de nu da peça, por exemplo, na qual o elenco se apresentava inteiramente sem roupa, não tinha apenas a intenção de chocar – tinha também o propósito de simbolizar um novo início. Despido como uma criança, na metáfora de um recomeço, o ser humano poderia se desfazer de todas as tradições, na tentativa de recriar o mundo.

O uso de drogas é outro tema muito presente na peça, encarado como algo natural, que visa conduzir a um nível espiritual superior. No início do texto – em consonância com a visão da época, que acreditava que o experimentalismo com alucinógenos era capaz de criar um estado de transcendência – os autores dizem que o uso de drogas mostrado na peça e presente na cultura hippie tem paralelos nas culturas antigas, constituindo um meio para atingir um estado mais elevado de compreensão do mundo. “… flowers, candles, saris, sandals, psychedelic design, all combine to illustrate the emergence of a new-acient culture among the youth”. Ou seja, esse movimento surgiria de uma união da cultura ancestral indígena com elementos espirituais, religiosos, culturais – o novo e o velho criando um outro mundo. Que começou, quem sabe, “when the moon is in the seventh house/and Jupiter aligns with Mars/ Then peace will guide the planets/And love will steer the stars/ This is the dawning of the age of Aquarius”.

Para simbolizar o establishment – a ordem estabelecida com todos seus alicerces e implicações políticas e culturais – que domina a sociedade e todos os parâmetros comportamentais, a peça tem dois personagens alegóricos: Mom and Dad, que fazem o papel não só dos pais, como de diversas outras figuras paradigmáticas do conservadorismo e do poder estabelecido. Assim, Mom and Dad podem se converter em oficiais de polícia ou em diretores de estabelecimentos escolares. “Dad: Governor Reagan says turn the schools into concentration camps”. [Reagan era então governador da Califórnia] Berger: “Brainwash the masses!”. A relação de Mom and Dad com os hippies é o principal mecanismo pelo qual há o choque direto entre gerações que possuem visões tão diferentes do mundo e das tradições e códigos sociais. Muitas vezes essas relações se dão por incompreensão, mas a maioria delas traz consigo métodos mais pesados, que mostram com clareza o hiato entre o universo da Tribo de Claude e Berger e a sociedade estabelecida – esta última repetindo frases e clichês típicos dos padrões que foram a eles impostos. Um diálogo que exemplifica essa situação acontece entre Claude e Mom: ao perceber que seu discurso moralista é incapaz de convencer Claude a adotar seus padrões, Mom apela para a chantagem emocional: “Your father and I love you”. O que, para Claude, traduz-se em algo como: “faça o que queremos, porque nós te amamos. Isso deveria ser suficiente para garantir sua obediência”. Essa distância entre os mais velhos e os mais jovens nunca chega a um equilíbrio – como lutar com o poder do flower power se seus pais dizem que o que lhes dará orgulho é seu alistamento no exército para lutar no Vietnã? “Mom: The Army’ll make a man of you…” Aliás, a conversa entre Mom e Claude dá o tom para a ótima música I Got Life, introduzida pelo que segue: “Claude: This is 1968, dearie, not 1948”. Mom: “1968! What have you got, 1968, may I ask? What have you got, that makes you so damn superior and gives me such a headache?”

Outros elementos básicos da cultura hippie – como a aversão à sociedade capitalista e seus ideais de consumo – são expressos em vários momentos da peça, como quando Berger pede dinheiro a uma mulher que passava na rua: “Hey lady, can you spare a handout, something for a poor Young psychodelic teddy bear like me?”. A frase final da sentença de Berger, além de cômica, é uma óbvia alusão à visão do dinheiro como um meio para a sobrevivência, e não como algo a ser acumulado: “To keep my chromosomes dancing”. Além disso, o protesto contra a Guerra do Vietnã é muito forte na peça, e seu caráter pacifista está presente em quase todas as músicas e diálogos – que felicidade podemos ter, qual alegria pode existir em um mundo imerso em guerras e conflitos? “Riped open by metal explosion/Caught in barbed wire/Fireball/Bullet Shock”.

Tendo estreado na Brodway em 1968, a peça rapidamente ganhou versões em outras cidades norte-americanas e mesmo em outros países, como Alemanha, Japão e Austrália. No Brasil, a peça estreou em outubro de 1969, com direção de Ademar Guerra e versão de Renata Palottini, e ganhou novas conotações e significados em um país no qual, graças ao então recém-editado AI-5, vivia uma guerra interna.

Entre os que viram alguma versão da montagem teatral original costuma haver um certo desconforto em relação à versão cinematográfica, o que é compreensível, posto que alterações muito significativas foram feitas. O filme do diretor Milos Forman, feito em 1979, é muito diferente do texto original, e essa característica precisa ser entendida considerando que a estrutura da peça, por ser fragmentada, ao invés de apresentar uma narrativa linear, contribui para que cada adaptação modifique e reorganize a história da maneira que considerar mais adequada. Para dar uma ordem cronológica aos inúmeros fragmentos, músicas e diálogos, o roteirista Michael Weller resolveu focar a história em um romance entre Claude e Sheila – o que não faz sentido dentro da lógica de amor livre pregada pelos hippies da Tribo, mas funciona como recurso cinematográfico. No filme, Claude é o personagem principal, agora apresentado como um caipira de Oklahoma que vai a Nova York passar dois dias antes de se apresentar ao Exército. Na peça, Claude e Berger – representados na Broadway por Rado e Ragni, respectivamente – lideram a tribo e tem o mesmo peso dramático. Claude não é, como no filme, um interiorano que só chega a se integrar ao grupo depois de muitas resistências.

O final também é totalmente diferente nas duas versões – no último ato da peça, Claude corta seu cabelo, entrega-o a Berger e, após ser chamado insistentemente por Dad para se juntar ao Exército, entra na fila e segue em frente: parte para o Vietnã. Já no filme, Berger, ao tentar ajudar Claude a sair do quartel para ver os amigos, acaba embarcando em seu lugar; um dos momentos finais, embalado por Let the Sunshine In, mostra a Tribo reunida diante da lápide de Berger.

Falar sobre Hair é, inevitavelmente, se envolver em uma atmosfera de liberdade – não só pelo caráter contestador e revolucionário da peça, como pela deliciosa ousadia de criar uma obra que consegue, apesar de seu caráter utópico, fazer com que cada leitor e cada espectador realmente acredite em um mundo no qual as pessoas podem gritar “Walla Walla Goona Goona”, proclamar a alegria de poder dizer a todos “I got life mother/I got life sister/ I got freedom brother”, balançar os cabelos cantando “Give me a head with hair/Long beautiful hair/Shining gleamin streaming”.

Vai lá.


Tati.


Maciel, o noivo ideal

Quem diria, hein Maciel? Tem coisas que só o You Tube faz por você. Ele, Luís Carlos Maciel, nossdo guru da contracultura, participou da novela Feijao Maravilha na Globo, em 1979. Ele interpretou… ele mesmo. Era um partidão, intelectual. Muito engraçado. E partidão mesmo.

Curiosidades da Wikipedia sobre a novela:

* Feijão maravilha fazia uma homenagem às chanchadas da Atlântida, e isso era mais do que perceptível: José Lewgoy na pele de vilão que tantas vezes personificou nos filmes da companhia; o casal que passa por mil peripécias cômicas (Lucélia e Stepan); um cenário luxuoso (o hotel) por onde circulam os vários tipos, a presença de grandes nomes do gênero em papéis especialmente pensados para eles (Grande Othelo – que fez dupla com Olney Cazarré para suprir a ausência de seu eterno parceiro, Oscarito -, Eliana Macedo, Adelaide Chiozzo, Anselmo Duarte, Mara Rúbia, Ivon Cury).
* A novela correu no melhor estilo comédia despretensiosa. Depois de Feijão maravilha apostou-se mais nas comédias rasgadas no horário das sete, no qual até então predominavam as comédias românticas.
* Participações especiais de Francisco Cuoco, como o dono de um galinheiro no primeiro capítulo, Jô Soares, Cláudio Corrêa e Castro, Stênio Garcia, Zico, Sócrates, além de Chico Anysio na pele da senhora gaúcha Salomé de Passo Fundo, que conversava por telefone intimamente com o presidente João Figueiredo.
* Uma cena inesquecível foi Stepan Nercessian se fazendo passar por Sidney Magal num show onde o cantor não compareceu.
* Destaque para Clarisse Piovesan, numa réplica brasileira de Marilyn Monroe, e José Lewgoy, relembrando os bons tempos de vilão da velha Atlântida.
* Eliana Macedo e Anselmo Duarte fizeram par romântico em vários filmes da Atlântida, e cenas destes filmes eram levadas ao ar no decorrer da novela em flashbacks como se fossem de seus personagens. Nos capítulos finais Anselmo apareceu como Trindade, o marido de Soraia (Eliana Macedo), dado como morto.
* Grande Othelo, Olney Cazarré e Walther D’Ávilla estiveram impagáveis em seus personagens.
* A telenovela teve como título provisório É uma barra!.
* A telenovela foi reapresentada em compacto de 65 capítulos na sessão Vale a Pena Ver de Novo, às 13h30, de 6 de janeiro a 4 de abril de 1986.

Tati


Com atraso, com afeto

Muito trabalho na semana de feriado. Deste vez, o clipping psicodélico abre caminho para o auto-jabá. Não é sempre que dá para falar destes assuntos na imprensa tradicional, falando para o público conservador.

Descobridor do LSD morre aos 102 anos
Por TATIANA DE MELLO

Hofmann
GURU Hofmann na década de 40, quando descobriu o LSD, e ao completar 100 anos

Não é exagero dizer que o mundo (ou, pelo menos, a música) não seria o mesmo se o cientista suíço Albert Hofmann não tivesse descoberto por acaso, em 1943, uma substância chamada dietilamida do ácido lisérgico, o famoso alucinógeno LSD. Ele fazia experimentos em busca de medicamentos para doenças circulatórias e respiratórias quando começou a se sentir zonzo após entrar em contato com a substância. Três dias depois, aumentou a dose e sentiu, em suas palavras, “toda a expansão de consciência proporcionada pelo remédio”. Hofmann percebeu que os efeitos alucinógenos poderiam ser usados, sob controle, para tratamento de transtornos mentais. O laboratório em que trabalhava, o Sandoz, patenteou a droga. Ela foi ministrada por médicos até 1966, quando acabou sendo proibida nos EUA. Desde então, o cientista travou uma batalha em defesa do LSD, criticando o consumo recreativo da droga que descobrira. Ele morreu de infarto, na terça-feira 29, aos 102 anos.

Box Hofmann

Tati


Terence Mckeena

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Terence Mckeena era um pesquisador de drogas alucinógenas. Morreu com câncer no cérebro. Não o conhecia, e lendo essa entrevista no Fudeus, achei seus relatos sobre as profundezas da mente humana muito pertinentes.

Experiências psicodélicas não são para qualquer um. Como diz meu pai, o (Santo) Daime é para todos, mas nem todos são para o Daime. Nem Daime, nem cogumelo, nem LSD. Nesta nossa pesquisa, estamos lidando com pessoas incríveis, que tem muito a dizer sobre os temas abaixo citados. Que aproveitaram essas experiências para o “bem” ou para o “mal”. Entre os que se enquadram na segunda opção, estão os loucos, os paranóicos, os que, de alguma forma, não se enquadram na comunidade humana, como Mckeena cita.

Se, por um lado, a expansão da mente humana pode ser uma experiência mágica e incrível, também pode abrir a porta das trevas. Dá um pouco de medo. Nós estamos tendo contato próximo com muitas dessas pessoas – e não há como não se impressionar com alguns relatos. Bom, esperamos conseguir traduzir esse sentimento em nossos escritos.

Enquanto isso, corto-e-colo a entrevista do Fudeus:

Para que servem suas pesquisas com substâncias psicodélicas?
MCKENNA: É uma tragédia pensar que alguém pode ir para o caixão ignorante das possibilidades da vida. E faço analogia com o sexo. Poucas pessoas podem evitar, em suas vidas, uma experiência de natureza sexual, já que sexo é uma das informações de que a condição humana dispõe. Sexo é um grande prazer, sexo liberta. Detesto pensar que alguém pode morrer sem experimentar sexo! O mesmo acontece com a experiência psicodélica. Ela é parte legítima da condição humana. Ela disponibiliza uma infinidade de informações fundamentais que perdemos quando o homem passou a se distanciar da natureza.

“Food of the Gods” liga DMT à psilocibina. Qual a relação?
MCKENNA: A psilocibina (presente em alguns cogumelos e no LSD) e o DMT são quimicamente da mesma família. Meu livro é sobre a história das drogas; mostra o impacto cultural e o poder de desenhar a personalidade que elas possuem. As pessoas têm tentado, sem sucesso, responder como nossas mentes e consciências podem derivar do macaco. Já formularam todo o tipo de teoria sobre isso, mas para mim a chave que destranca este grande mistério é a presença de plantas psicoativas na dieta do homem primitivo.

PS: A um tempo atrás eu perguntei se o LSD tinha algo haver com os cogumelos e me disseram que não tinha nada a ver… então, oq me dizem?

O que o levou a concluir isto?
MCKENNA: A teoria ortodoxa da evolução nos diz que pequenas mudanças adaptativas de uma espécie acabam sendo geneticamente impressas em seu DNA. Os descendentes da espécie vão acumulando novas mudanças adaptativas, até que o conjunto de mudanças gere outra espécie. Pesquisas de laboratório mostram que a psilocibina, mesmo ingerida em quantidades muito pequenas, é capaz de imprimir mudanças em nós. Nos anos 60 Roland Fisher, do National Institute of Mental Health, deu psilocibina a voluntários, e então realizou testes oftalmológicos. Os resultados indicaram que a visão periférica aumenta quando havia psilocibina no organismo do voluntário.
Bem, o aumento da visão periférica seria de grande ajuda adaptativa para o hominídeo, pois caçavam com mais sucesso e se defendiam melhor, também!

Então aqui temos o fator químico: quando adicionado à dieta, psilocibina resultou num excelente “artefato” de sobrevivência.Quando os macacos desceram das árvores encontraram cogumelos no solo. Em pequenas quantidades aumentou sua capacidade visual periférica; em maiores quantidades, aumentou as atividades de seus sistemas nervosos centrais, que resulta em maior atividade sexual e, conseqüentemente, descendentes que carregam genes modificados pela psilocibina.

Como as informações disponíveis sobre a psilocibina sustentam sua teoria?
MCKENNA: Bem, este é o problema: a psilocibina foi descoberta em 1953, e não foi totalmente caracterizada até ser proibida, em 66. A janela de oportunidade que se abriu para estudá-la foi de apenas nove anos. Quem pesquisava a psilocibina nem sonhava que os estudos seriam proibidos pelo governo americano! Quando o LSD foi apresentado à comunidade psicoterapêutica, e uma grande esperança de estudos dos processos mentais e psicológicos se abriu, o governo suprimiu as pesquisas com drogas psicodélicas. A conseqüência disto é que a comunidade científica está capenga, pois não pôde cumprir sua missão de conhecer profundamente os mistérios da mente humana. A ignorância e o medo do governo atrapalharam o trabalho dos cientistas.

Você está dando uma enorme quantidade de poder a uma droga. O que você pode dizer sobre a psilocibina?

MCKENNA: Ainda não sabemos tudo o que a psilocibina e o DMT podem oferecer. É como quando Colombo avistou terra, e alguém disse, “Então você viu terra. Isso é importante?”, e Colombo disse, “Você não entende: este é o Novo Continente”. Então uns marinheiros, como eu, retornaram da viagem dizendo, “Não há bordas no planeta, ele é redondo. E mais: não há monstros marinhos, e sim vales, rios, cidades de ouro”. É duro de engolir, mas caso possam voltar a estudar a psilocibina, os cientistas poderão revolucionar a forma com que lidamos com o ser humano e com o universo. Nos últimos 500 anos a cultura ocidental suprimiu a idéia de inteligências desencarnadas, da presença real de espíritos. Mas trinta segundos de viagem com DMT acabam com a dúvida. Esta droga nos mostra que a cultura é um artefato, que você pode ser um psiquiatra em Nova York ou um xamã em Ioruba, mas que essas realidades são apenas convenções locais que organizam as pessoas em sociedade. A experiência com DMT é universal, pois mostra do mesmo modo, para qualquer pessoa de qualquer cultura, a legitimidade do universo espiritual.

Bem, mas a cultura nos dá alguma coisa para fazer, Terence.
MCKENNA: Sim, mas a maior parte das pessoas acha que cultura é o que é real. A psilocibina mostra que tudo o que você sabe está errado. O mundo não está sozinho, não é tridimensional, o tempo não é linear, não existem coincidências. Existe, sim, um nexo interdimensional.

Se tudo o que sei está errado, então o que está certo?
MCKENNA: Você precisa reconstruir. É, no mínimo, uma tremenda permissão para sua imaginação. Você não tem que seguir Sartre, Jesus, ninguém. Tudo se esvai, e só o que você pensa é, “Sou apenas eu, minha mente e a Mãe Natureza”. Esta droga mostra que o que existe do outro lado é uma impressionantemente real forma de vida auto-consistente, um mundo que permanece o mesmo toda vez que você o visita.

E o que está lá nos esperando? Quem?
MCKENNA: Você cai num espaço. De alguma forma, você pode dizer que é subterrâneo. Existe uma sensação de enclausuramento, mas ao mesmo tempo o espaço é amplo, aberto, caloroso, confortável de uma forma muito sensual, material. Há entidades totalmente formadas, não há dúvidas de que essas entidades estão lá. Enquanto isso você diz, “Batimentos cardíacos? Normais. Pulso? Normal.” Mas sua mente está dizendo, “Não, eu devo ter morrido, é muito radical, muito, muito radical. Não é a droga, drogas não fazem coisas assim”, e você continua vendo o que está vendo. A droga nos tenta revelar qual a verdadeira natureza do jogo. Que a dita realidade é uma ilusão teatral. Então você quer encontrar seu caminho até o diretor que produz a realidade, e discutir com ele o que acontecerá na próxima cena.

Você dedicou boa parte de sua vida no mapeamento do DMT e da psilocibina. Como você os interpretaria?
MCKENNA: Estas substâncias podem dissolver numa única viagem toda a sua programação mental até então. Elas te levam de volta à verdade do organismo – a que diz que idioma, condicionamento e comportamento são totalmente desenhados para mascarar. Uma vez dopado, você renasce para fora do envelope da cultura. Você chega literalmente nu neste novo lugar.

 Você acha que realmente existe algo como uma “bad trip”?
MCKENNA: Uma viagem que acaba te fazendo aprender mais rápido do que você quer é o que as pessoas chamam de bad trip. A maior parte das pessoas tenta dosar o aprendizado inerente às drogas, mas às vezes a droga libera mais informação do que você é capaz de aprender. Para piorar, a mensagem pode ser, “Você trata mal as pessoas!”, e ninguém quer escutar isso.

Como você pode defender as drogas com tanto entusiasmo quando elas estão associadas a tanto sofrimento e caos?
MCKENNA: Nós deveríamos falar da palavra êxtase. Em nosso mundo, comandado pela Madison Avenue, êxtase é aquilo que você sente quando compra uma Mercedes e pode bancá-la. Mas este não é o significado certo. Êxtase é uma emoção complexa que contém elementos de medo, triunfo, empatia e pavor. O que substituiu nosso pré-histórico conceito do êxtase é a palavra “conforto”, uma idéia tremendamente asséptica, letárgica. Drogas não são confortáveis, e qualquer um que pense que elas são uma forma de conforto ou escapismo não deveria tomá-las até que tenham coragem de lidar com as coisas como elas realmente são.

Que tipo de pessoas não deveria tomar drogas?
MCKENNA: Pessoas mentalmente instáveis, sob enorme pressão, ou operando equipamentos dos quais dependem as vidas de outros seres humanos. Ou pessoas frágeis, ingênuas, superprotegidas. Algumas pessoas foram tão estragadas pela vida que a dissolução de amarras não é boa para elas. Essas pessoas deveriam ser cuidadas com carinho, e não encorajadas a arrebatar limites. Se por fatores genéticos, culturais ou psicológicos as drogas não são para você, então não são para você. Não estou pedindo para que todas as pessoas tomem drogas, mas acredito que assim como uma mulher deve estar livre para controlar sua fertilidade, uma pessoa deveria estar livre para controlar sua própria mente.

Todos deveriam ser livres para tomar o que quisessem, e estar bem informados sobre o que cada opção envolve. Exatamente como acontece com educação sexual. Hoje a forma com que lidamos com informações sobre drogas é a mesma como fazíamos nos anos trinta com sexo. Você aprendia através de rumores! Então as pessoas acabam tendo idéias absurdas sobre as coisas.

Onde está sua esperança?
MCKENNA: Está na psicologia e nos jovens. Eles têm o que nunca tivemos: pessoas mais velhas que já tiveram experiências psicodélicas. O LSD tomou, e ainda toma, de assalto nossa sociedade. Dois estudantes de bioquímica podem fazer um pequeno laboratório móvel e produzir, num final de semana, de 5 a 10 milhões de doses de ácido para distribuir em papel pelo mundo. Esta facilidade e discrição criou uma pirâmide de atividade criminal de tanta potência que o governo reage como se um revólver estivesse apontado para sua cabeça. O que, no fundo, é verdade! A estratégia certa é subversão, atenção e discreto não-conformismo contra o tédio e a opressão do mundo.

Terence, meu amigo, existe alguma coisa que o deixa com medo?
MCKENNA: Loucura. As pessoas me perguntam, “Posso morrer tomando esta ou aquela droga?”. É a pergunta errada. Claro que sempre existe algum risco em qualquer coisa, mas o que é realmente perigoso é a sua sanidade, porque como a desconstrução da realidade é infinita, você pode se mudar para algum outro lugar. Tenho medo de não ser capaz de contextualizar essa desconstrução, me perder e não retornar à comunidade humana. Estamos tentando construir pontes, não navegar infinitamente.

Como você vê o futuro?
MCKENNA: Se a história seguir futuro adentro, será um futuro de escassez, preservação do privilégio, controle da população através do uso cada vez mais sofisticado de ideologia para acorrentar e iludir as pessoas. Estamos no limite exato. O que também potencialmente nos aguarda é uma dimensão de tanta liberdade e transcendência que, uma vez lá, viveremos de imaginação. Seremos rapidamente irreconhecíveis se comparados ao que somos hoje porque hoje somos definidos por nossas limitações: a lei da gravidade, a necessidade de comer, de ficarmos ricos. Temos o poder de nos expandir indefinidamente para o prazer, atenção, carinho e conexão. Só precisamos nos libertar e nos permitir.

Tati